A era da unipolaridade está terminando. Não é o fim do império norte americano e de seus vassalos colonialista ocidentais, mas o início de um declínio que já pode ser visto a olho nu.
No próximo 24 de fevereiro a Guerra do ocidente contra Rússia fará 2 anos. A mídia ocidental chama de “Guerra da Ucrânia”, mas é uma guerra da OTAN (Aliança do Tratado do Atlantico Norte) que hoje é composta por cerca de 32 países contra a Rússia.
A Ucrânia entra na Guerra com o seu território e a carne do seu povo. A Rússia chama uma operação militar especial para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia.
O conflito poderia ter sido evitado, se não fosse pelo descumprimento dos acordos de MINSK por parte da Ucrânia e a operação dos EUA e Reino Unido para impedir as negociações de paz mediadas pela Turquia logo no início do conflito em fevereiro de 2022.
Passado quase 2 anos de Guerra, a Ucrânia está arrasada econômica, social e militarmente. Mais de 8 milhões de refugiados, muitos deles foram para Rússia, e os territórios ocupados que compõe cerca de 20% do território ucraniano. Um grande contingente foi para a Europa em países como Polonia, Alemanha, Itália e Repúblicas Tcheca, açodando ainda mais o discurso xenofóbico da extrema direita europeia, no ano que haverá eleições para o parlamento europeu e presidencial nos EUA.
No campo militar a Ucrânia está realizando o quarto recrutamento obrigatório. Segundo analistas militares como o Coronel estadunidense Douglas Macgregor, a idade média dos combatentes ucranianos é de mais de 40 anos, e estão recrutando meninos de 12 a 15 anos, mulheres, inclusive gravidas, homens com mais de 60, e pessoas com deficiências físicas e mentais.
A guerra não começou em 2022. Desde 2014 o regime ucraniano está em Guerra contra os povos russófonos e setores que se contrapuseram ao regime de Kiev decorrente da Maidan (Revolução Colorida) patrocinada pelos EUA e sua secretária de Estado, Victoria Nuland. Essa mesma secretária atuou diretamente para desestabilizar a Ucrânia e impor um fantoche pro-ocidente no governo como meio para atingir a Rússia.
A guerra está decidida com a clara vitória da Rússia contra armas, dinheiro, tecnologia, assessores militares e comando das potencias ocidentais e sua aliança atlanticista.
A intenção era nitidamente desestabilizar o regime de Moscou, derrubar Putin e dividir a federação russa em áreas sob controle norte-americano e seus estados vassalos para perpetuar a expansão colonialista em um território rico em gás, petróleo, minerais, água doce e terras raras.
‘’Não contavam com a minha astúcia!” – Chapolin Colorado.
A Rússia demonstrou superioridade militar e tecnológica, além de eficiência doutrinaria e tática. Mas a maior vitória foi no campo econômico e diplomático.
O sistema de guerra com uso de sanções econômicas utilizada pelos EUA desde Cuba com o emprego do dólar, sistema SWIFT e sequestros das riquezas dos países através do controle que exerce sobre as finanças das nações. Tudo isso funcionou como bumerangue para as nações europeias que estão em franca recessão, e suas principais economias dependentes de energia estão em crise com a ausência do gás barato vindo da Rússia.
O imperialismo colonialista ocidental acreditou que com a guerra as sanções iriam combalir a Rússia em sua economia, unidade política e territorial. E depois, chutar o rabo do Putin. Também apostava na queda do PIB, crescimento da inflação, desvalorização da moeda, desabastecimento do mercado interno, revolta popular, instabilidade política e queda do Vladimir Putin. Por isso, bloquearam as negociações de paz e financiaram o Zelensky com bilhões de dólares, armas, munições, sistemas de alta tecnologia militar: Como drones, sistemas de misseis, tanques Leopard 1 e Leopardo 2 da Alemanha, tanques Abrams americanos, misseis Storm Shadow do Reino Unido, bombas de fragmentação e uma imensa gama de armas de diversos países da OTAN. Nada disso se mostrou efetivo. (Deu ruim)
A Rússia já é vitoriosa mesmo que o fim da guerra não possa ser previsto.
A economia russa cresceu 3,5% e o desemprego está em 2,9%. Isso podemos chamar de “pleno emprego”. A massa salarial cresceu 8%, a renda per capita subiu 5% e produção de manufaturas aumentou em 9,4%. O uso do dólar como moeda caiu de 87% em 2021 para 24% em 2023.
O boicote e as sanções econômicas impostas pelo ocidente obrigou a Rússia a fortalecer suas relações com a China, Índia e fortalecer alianças com países da África e Oriente Médio, e hoje é a maior economia da Europa e a quinta do mundo. Vale lembrar que os EUA congelaram US$ 300 bilhões das reservas internacionais da Rússia.
A história recente está definitivamente alterada. Em 2021 foram derrubados os governos africanos do Chade, Mali, Guiné e Sudão, em 2022 na Burkina Faso, e em 2023 no Niger e Gabão. Todos alegando que seus governos eram fantoches dos interesses colonialistas e que sangram os recursos dos seus países.
Na Europa as principais economias estão em recessão e com deterioração do padrão de vida dos trabalhadores e da população, o que dá mais munição para a extrema direita que se alicerça na xenofobia e no nacionalismo ultraconservador. Em 2024 haverá eleições para o parlamento europeu e o potencial de retrocessos não é pequeno.
Não é difícil depois da guerra da Ucrânia afirmar que a Europa constitui o quinquagésimo primeiro estado norte americano.
Os EUA também atravessam graves problemas com a dívida pública de 33 trilhões de dólares. Biden vai provavelmente para reeleição contra Trump, que é o maior representante da ultradireita no planeta. O país enfrenta uma brutal concentração de renda, os trabalhadores labutam em 3 empregos para conseguir subsistência, a saúde pública está deteriorada, a violência, marca da sociedade americana, está em ascensão com o aumento de massacres por civis contra civis, o fentanil mata 100 mil pessoas por ano, e os fluxos migratórios fazem da política um espetáculo para a xenofobia trumpista. Para piorar, o governo do Texas desobedeceu a uma decisão da Suprema Corte para retirar arames farpado da fronteira com México, o que denota uma grave crise institucional e foi apoiado por outros 25 Estados.
Biden vai para reeleição como um Presidente que perdeu todas as Guerras que lutou: Expulso do Afeganistão, enxotado pelo Talibã, e humilhado na Ucrânia depois de ter gastado rios de dinheiro com promessas falaciosas de defender o regime fascista de Zelensky. Já no oriente médio, amarga diante dos escombros de Gaza com o genocídio dos palestinos sem uma vitória militar, política ou diplomática, e foi esnobado pelas principais lideranças da região que não o receberam quando visitou Israel depois dos ataques do Hamas e a reação criminosa do Estado sionista. São mais de trinta mil mortes em 100 dias de guerra, e em sua maioria crianças, mulheres e idosos, além de agentes da ONU, jornalistas e agentes de saúde – E claro, todos civis. A grande potência mundial está a defender o Estado sionista que não encontra abrigo em nenhum direito internacional, e moralmente está praticando aquilo que os nazistas fizeram com os Judeus na Segunda Guerra Mundial.
O modelo unipolar imposto pelos EUA está fadada ao fracasso. O seu papel de “polícia do mundo” não encontra eco moral ou legal e nem legitimidade. O seu isolamento na ONU diante das votações das resoluções que propunham cessar fogo em Gaza é prova disso. Até o Status de “potência militar” está sendo desafiado pelos Houthis, guerreiros do Iêmen que lutam de chinelos, e estão bloqueando o comercio de Israel pelo mar vermelho em protesto contra o massacre dos palestinos em GAZA e Cisjordânia, causando grandes prejuízos a economia de Israel.
Os EUA constituem uma sociedade distópica e podem sair das eleições desse ano pior do que já estão, com um Presidente de extrema direita que trata imigrantes como terroristas, que faz populismo eleitoral, e mina com Fake News o sistema de representação política do país que há muito tempo é plutocrático.
“OS ventos do norte não movem moinhos” – Sangue Latino. Música de autoria de Sergio Ricardo e Paulinho Mendonça. Famosa na interpretação de Nei Matogrosso.
O Sul Global entra em cena com a ampliação dos BRICS que esse ano será presidido pela Rússia e que acena para entrada da Venezuela no bloco, o que significaria que o bloco teria as maiores reservas energéticas do planeta. O Brasil joga um papel importante para reunificar o Mercosul, UNASUL e comunidade latino-americana e Caribe.
No Brasil o governo do Presidente Lula aposta no fortalecimento da Frente Ampla para recompor um país cindido pelas ações deletérias de Bolsonaro e seus seguidores. Um país dividido nunca será soberano. Sabemos que não é uma tarefa fácil visto que as classes dominantes brasileiras há muito se contentam com um papel subjacente de gerente bem remunerados dos capitais estrangeiros, e participam subalternamente dessa divisão do botim em proveito próprio, contentando-se em mandarem seus filhos para escolas nos EUA e na Europa, fazerem viagens de turismo para consumo em Miami, e terem contas polpudas em paraísos fiscais.
Existe um asco das nossas elites em construir um projeto de nação soberana, e a nossa mídia corporativa não se cansa de desqualificar qualquer tentativa de desenvolvimento nacional. Vejam como a mídia vira-lata reagiu ao plano “Nova Industria Brasil” lançado pelo Presidente Lula no último dia 22 de janeiro, com investimento de 300 bilhões até 2026.
No Brasil a concentração de renda é brutal e aumentou como resultado do golpe que desestruturou o Estado brasileiro em 2016, retirando direitos trabalhistas e previdenciários e deixando mais de 40 milhões de brasileiros abaixo da linha de pobreza, elevando a renda dos mais ricos. A reforma tributária aprovada no ano passado foi importante, mas não alterou a estrutura tributária injusta presente, e teremos muita dificuldade de avançar nessa direção.
A pergunta que não quer calar é: Qual será o papel do Brasil na afirmação de uma nova ordem multipolar? Com multipolaridade haverá um esvaziamento da influência norte-americana na Asia, Oriente Médio e África, e não sabemos como ficará a Europa diante da crise política e econômica que se avizinha. Com a redução de sua área de influência mundo afora, os EUA irão se voltar para o seu próprio quintal? A América Latina e Caribe continuarão a ser tratados pelos norte-americanos com base na doutrina Monroe (“América para os americanos”). Creio que não será um olhar de parceria entre nações soberanas, mas de cobiça, controle e ampliação de sua dominação por via dos instrumentos de que dispõe: Guerras híbridas, golpes de Estado, sanções econômicas, sequestro de reservas financeiras, controle das nossas rotas comerciais, e ameaças às nossas riquezas.
Outra pergunta é se estamos preparados para isso. Se não estamos, precisamos discutir seriamente um plano de desenvolvimento levando em conta a necessidade de unir o Brasil, América Latina e o Caribe.
Não podemos deixar a questão nacional como sendo uma narrativa da extrema direita – Essa que veste verde e amarelo, recita o mantra de “patriotas” e que batem continência para bandeira americana.
Não podemos ter Forças Armadas que obedeçam ao comando e a doutrina militar de outro país.
Não podemos acreditar que a discussão sobre a defesa de uma nação é um atributo exclusivo dos militares.
Não podemos achar que estamos seguros adquirindo tecnologias e equipamentos de potências estrangeiras sem desenvolver nossa indústria de defesa e investir em nossa própria tecnologia. A experiência do mundo atual mostra que sem produção própria e autonomia tecnológica não seremos uma nação soberana.
Na era FHC o Brasil se ajoelhou ao tratado de não proliferação nuclear, mas o que vemos é a crescente corrida entre as potências para aumentar os seus arsenais. Está na hora do Brasil denunciar e renunciar todos os tratados que o limitam como país soberano.
Francisco Chagas é cientista social, Vice-presidente do PT/SP, foi Vereador da Capital e Deputado Federal.