A Électricité de France (EDF), maior geradora de energia da França, voltou a ser uma empresa estatal, com 99,9% das ações sob o controle do governo comandado por Emmanuel Macron. Em julho do ano passado, o governo francês, que já detinha 84% das ações da EDF e já era o sócio-controlador, decidiu reestatizar totalmente a empresa.
Neste mês de junho, o governo da França concluiu o processo de reestatização para ter o controle total e desenvolver projetos de soberania energética sem ter que submeter suas decisões a acionistas privados, como vinha ocorrendo antes. Um dos motivos da decisão pela reestatização diz respeito a tornar o país mais sustentável e menos dependente do gás importado da Rússia.
O governo francês gastou 9,7 bilhões de euros, aproximadamente R$ 50 bilhões, para conseguir realizar a recompra das ações que haviam sido colocadas na bolsa de valores com a sua privatização.
O setor de energia é considerado uma das áreas mais estratégicas de um país que quer manter protegida a sua soberania. Por isso, em vários países do mundo, as empresas energéticas são estatais. É o caso da Suécia, Finlândia, Noruega, Canadá, Coreia do Sul, França e até nos Estados Unidos, onde as hidrelétricas são empresas estatais.
Caso Eletrobras: entreguismo e perda de poder decisório
No Brasil, ao contrário do que agora fez a França, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, resolveu entregar a Eletrobras de mão beijada aos interesses privados e ainda pôs fim ao poder de decisão por parte do governo federal no conselho da companhia.
O Brasil detinha quase 70% das ações da Eletrobras, mas após a venda das ações na Bolsa, passou a ter somente 43%. Além de receber apenas cerca de R$ 30 bilhões pelas suas ações, ainda viu a sua participação no conselho de administração, que é formado por 9 componentes, também ser reduzida ao inexplicável número de apenas um membro com direito a voto.
Devido à lei sobre a privatização da Eletrobras, 43% de participação só dão direito a 10% de voto, o que reduziu totalmente o controle do país em um setor considerado como estratégico por especialistas do mundo inteiro.
Em artigo de sua autoria, Ikaro Chaves, diretor da AESEL (Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras), denuncia a manobra utilizada para tirar o poder de intervenção do governo federal nas decisões da empresa agora privatizada.
“Com 43% das ações ordinárias, mesmo sem ter o controle formal da companhia, um eventual governo nacionalista poderia exercer influência preponderantemente na empresa. Por isso a lei da privatização já previa que qualquer acionista poderia ter no máximo 10% do poder de voto, independente de quantas ações tivesse. Assim, em manobra escusa e inédita no mundo empresarial, o governo estaria neutralizado”.
Ele enfatiza no artigo a reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, no último dia 12, a respeito de um áudio vazado de uma reunião interna da empresa que desmascara a ideia propalada pelo mercado de que a Eletrobras é hoje uma empresa sem um controlador. Na realidade, segundo Chaves, os sócios do grupo 3G Capital, leia-se Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, através da sua subsidiária 3G Radar, hoje são os que “mandam e desmandam” na empresa.
“O que a matéria da Folha revela é que o grupo 3G Capital, através de sua subsidiária 3G Radar, em conluio com os governos Temer e Bolsonaro, operou todo o processo de privatização, inclusive por dentro da companhia, ocupando posições estratégicas, desde antes da privatização e como resultado do processo, obteve o controle de fato da Eletrobras, mesmo tendo apenas 0,05% das ações com direito a voto. Não custa lembrar que o grupo 3G e seus sócios estão diretamente envolvidos na quebra das Lojas Americanas e da Light’, afirma um trecho do texto.
Ação no Supremo
O governo Lula, através da Advocacia-Geral da União (AGU), já ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação judicial em que contesta o trecho da lei sobre o direito a voto no conselho da Eletrobras, mas o caso ainda não foi julgado pelo tribunal.
“A insuficiente diluição da participação da União no capital social da empresa gerou a situação em que seus direitos políticos (sobre ações adquiridas antes da desestatização) foram limitados sem a adequada compensação”, diz um trecho da ação encaminhada pela AGU.
O presidente Lula já reafirmou em diversas ocasiões que a desestatização da Eletrobras não pode significar um alheamento da gestão da empresa às políticas públicas que pretendem assegurar acessibilidade e regularidade no fornecimento de energia à população brasileira, sobretudo a mais carente.
Da Redação da Agência PT