São Paulo – Em apenas um ano, o número de brasileiros sem ter o que comer saltou de 19 milhões para 33,1 milhões. São mais 14 milhões de pessoas com fome, segundo o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, lançado nesta quarta-feira (8). De acordo com a pesquisa, mais da metade (58,7%) da população convive com a insegurança alimentar em algum grau – leve, moderado ou grave. “O país regrediu para um patamar equivalente ao da década de 1990”, afirmam os autores.
A pesquisa é da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), e teve execução em campo pelo Vox Populi. A Ação da Cidadania, a ActionAid Brasil, a Fundação Friedrich Ebert Brasil, o Ibirapitanga, a Oxfam Brasil e o Sesc dão apoio à iniciativa. Os dados foram coletados de novembro de 2021 até abril, a partir de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios, nos 26 estados e no Distrito Federal.
Políticas públicas e desigualdade
“A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado para patamares equivalentes aos de 2004. A continuidade do desmonte de políticas públicas, a piora no cenário econômico, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia da Covid-19 tornaram o quadro desta segunda pesquisa ainda mais perverso”, afirmam as entidades.
“A pandemia surge neste contexto de aumento da pobreza e da miséria, e traz ainda mais desamparo e sofrimento. Os caminhos escolhidos para a política econômica e a gestão inconsequente da pandemia só poderiam levar ao aumento ainda mais escandaloso da desigualdade social e da fome no nosso país”, afirma Ana Maria Segall, médica epidemiologista e pesquisadora da Rede Penssan.
Minoria tem acesso pleno
Os resultados da pesquisa mostram que a segurança alimentar é “privilégio” da minoria da população. De cada 10 domicílios, apenas quatro conseguem manter pleno acesso à alimentação. Assim, os outros seis se dividem entre os que estão permanentemente preocupados com a possibilidade de não ter alimentos e os que já passam fome. Em números absolutos, são 125,2 milhões de brasileiros que passaram por algum grau de insegurança alimentar. Aumento de 7,2% desde 2020 e de 60% em comparação com 2018.
“Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013, reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros”, diz o coordenador da Penssan, Renato Maluf. “As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante de um cenário de alta da inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulnerabilizados”, acrescenta.
Até quem produz tem fome
As regiões Norte e Nordeste têm situação pior: a fome é rotina para 25,7% e 21% das famílias, respectivamente, ante uma média nacional de 15%. Nas áreas rurais, mais de 60% dos domicílios convive com insegurança alimentar, sendo 18,6% em nível grave. “E até quem produz alimento está pagando um preço alto: a fome atingiu 21,8% dos lares de agricultores familiares e pequenos produtores. A pobreza das populações rurais associada ao desmonte das políticas de apoio às populações do campo, da floresta e das águas, seguem impondo escassez.”
A situação piora quando se vê que a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos – de 9,4% em 2020 para 18,1% neste ano. A pesquisa mostra ainda que a fome tem cor e gênero: a segurança alimentar está em mais da metade (53,2%) dos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara branca. E cai para 35% naqueles , com responsáveis de raça/cor preta ou parda, classificação usada pelo IBGE. De 2020 a 2022, “a fome saltou de 10,4% para 18,1% entre os lares comandados por pretos e pardos”. Nas casas com homens como responsáveis, são 11,9% (ante 7% na pesquisa anterior). Nos domicílios com mulheres, 19,3% (11,2%).
Trabalho e renda
Os dados apenas confirmam que a fome é uma questão de renda. Quase desaparece nos domicílios com renda superior a um salário mínimo por pessoa. Uma questão diretamente relacionada ao trabalho: a fome cresce nos domicílios em que a pessoa responsável está desempregada (36,1%), trabalha na agricultura familiar (22,4%) ou tem emprego informal (21,1%). Além disso, falta água para beber e para cozinhar, o que contribui