Ouvi falar de Paulo Freire ainda no ensino médio, na militância estudantil secundarista, na convivência com minhas professoras sindicalistas e vermelhas da então UTE (lá em Uberaba). Depois, fiz licenciatura em Letras (viva a UFV!) quando pude estudar a obra de Paulo Freire. Fiz um poema para ele, no início de 1993, meu primeiro ano de faculdade. Queria ter esse rascunho.
Paulo Freire sempre foi farol, inspiração, a despeito das diferenças teóricas e filosóficas com o mestre. Sempre incomodou-me uma certa vulgarização e simplificação do pensamento de Freire nos meios progressistas e mesmo no PT.
Por uma lado, instrumentalização da teoria freiriana para operar os embates internos contra o marxismo-leninismo, por outro, uma apropriação rasa, meio paternalista da crítica do pernambucano à educação bancária. Como se a educação popular fosse incompatível com a transmissão de saberes acumulados pela humanidade.
Aliás, essa leitura demagógica dos conceitos de Paulo Freire facilitou, na minha opinião, a apropriação distorcida do mestre por setores e governos neoliberais. Democratização do ensino virou desorganização da prática educativa e esvaziamento da transmissão de conteúdos aos alunos.
A progressão continuada transmutou-se em aprovação automática. Valorizar o conhecimento de cada aluno, igualou-se, tantas vezes, ao descompromisso do professor com o domínio dos conteúdos científicos de cada disciplina.
Um educador freiriano é acolhedor e democrático, mas continua sendo um educador, professor e responsável pela elevação do nível intelectual, do conhecimento de cada aluno. Não é um parceiro de rodas de conversa.
As classes populares precisam dominar a língua culta, a matemática, as ciências naturais – porque serão universitárias e vão poder ocupar novos espaços. Educação democrática não é esvaziar o conteúdo do ensino, isso só prejudica os pobres e pretos.
(A propósito, essa “prática” pseudo-freiriana continua a fazer sucesso entre muitos setores da esquerda. É como se um intelectual tão denso como Paulo Freire pregasse que as pessoas não devessem “sentar a bunda na cadeira” e ler, estudar, absorver o que a humanidade produziu. É um misto de boa vontade ingênua, preguiça intelectual, preconceito antimarxista e mesmo desconhecimento do que realmente se constitui no legado freiriano).
O mais importante hoje é o fato de Paulo Freire ter se transformado em um dos alvos prioritários dos neofascistas. Nada poderia ser mais eloquente. Seu legado é tão forte que mobiliza o ódio bolsonarista.
Os ideólogos da extrema-direita conhecem e estudam Paulo Freire. E sabem, portanto, do potencial transformador de suas ideias. Das raízes populares e disruptivas de sua obra. Da potência dos seus livros, de sua teoria, de seu exemplo de vida.
Celebrar os 100 anos de Paulo Freire é cuspir na cara dos fascistas. É estudar sua obra. É comemorar seu legado, nos freirear crítica e militantemente.
Artigo publicado originalmente na Revista Fórum