Público reunido no teatro da PUC-SP clamou pela manutenção do programa. “Antes eu não conseguia me olhar no espelho e hoje digo que sou linda”, disse uma das beneficiárias
Criado na gestão do prefeito Fernando Haddad, o DBA inovou o modo de lidar com os usuários de crack da região da Luz, com uma abordagem fundamentada no princípio da redução de danos e não mais com a estratégia de internação compulsória realizada por governos anteriores.
“É o único programa eficaz que se inventou para a maior cena de uso da América Latina. E se eles quiserem voltar para trás, já foi demonstrado que não funciona”, disse Antonio Lancetti, psicanalista e consultor do programa De Braços Abertos. “Ele hoje está consumado e realizado como política pública que, se aqui for destruída, renascerá em outros lugares do país, da América Latina e até da Europa.”
Durante a campanha eleitoral, João Doria afirmou que iria terminar com o programa. Depois de eleito ajustou o discurso, dizendo que pode manter parte dele e unifica-lo com o Recomeço, programa da gestão Alckmin. “Não sabemos qual será o destino do DBA, mas devemos lembrar que tirar o nome do De Braços Abertos é como arrancar a alma do programa”, disse Lancetti, enfatizando que o nome nasceu dos próprios beneficiários e por isso tem um sentido importante.
Desenvolvida em São Paulo a partir de experiências bem sucedidas no exterior, como no Canadá e na Holanda, a política de redução de danos ainda é mal compreendida por setores da sociedade e da área de saúde mental que defendem o modelo de internação para tratar dependentes químicos.
“A abstinência não é a única meta a ser atingida quando se trata de dependência de drogas. O De Braços Abertos tem a característica de tentar colocar em prática uma política de saúde inclusiva que permite a participação e a melhora das pessoas. Não é perfeito, mas é eficaz”, afirmou Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, entidade que defende o afastamento da questão das drogas da justiça criminal e a aproximação aos princípios dos direitos humanos e da promoção da saúde.
Opinião semelhante foi manifestada pelo defensor público Davi Quintanilha ao lembrar que a redução de danos é uma política garantida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Vemos que é nítida a melhora. Por outro lado, quando visitamos comunidades terapêuticas, as pessoas estão acabadas. Por isso, a Defensoria Pública continuará lutando pela política de redução de danos, uma política inclusiva e que garante direitos”, disse. Quintanilha comentou que a Defensoria está dialogando com a equipe do prefeito eleito João Doria e avaliará, no momento oportuno, se será necessária alguma medida judicial para garantir a permanência do programa De Braços Abertos.
Ex-secretário nacional e municipal de direitos humanos, Rogério Sottili destacou que o programa é uma conquista que não começou com o governo do prefeito Fernando Haddad, mas representa o acúmulo de conhecimento da forma mais eficaz de se lidar com usuários de drogas. Sottili afirmou que o DBA tornou-se um sucesso “porque foi se reinventando a cada dia, ouvindo os usuários sobre de que modo eles deveriam ser tratados.” Para ele, o grande público presente no Tuca era um indicativo do modo como deve ser feito o debate de ideias na atual conjuntura. “Esse ato mostra como devemos nos posicionar diante de um governo que é legítimo, porque ganhou a eleição, mas que é completamente diferente do que entendemos como direitos humanos.”
Estrelas
Presentes no palco ao lado de personalidades como o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro e o economista Paul Singer, três beneficiários do programa De Braços Abertos representaram os cerca de 500 colegas que integram o DBA. Sem a eloquência dos antecessores, as falas simples e sinceras foram as mais aplaudidas pelo público.
“O De Braços Abertos me ajudou muito. Antes eu não conseguia nem me olhar no espelho. Hoje eu consigo olhar e dizer que sou linda,” disse Estela, que ainda contou ter descoberto recentemente ter um câncer de mama e estar em tratamento graças ao atendimento no programa. “Se não fosse o DBA, não estaria aqui.”
Também beneficiário do programa, José de Abreu Neto questionou o que a sociedade pretender deixar de legado para as próximas gerações. “O que vamos fazer com nossas conquistas?” José de Abreu ainda criticou aqueles que veem o usuário de crack de forma desumanizada. “Para eles, somos anônimos, só mais um na calçada. Só que todos nós temos sonhos e metas e não é diferente com quem está na calçada”, refletiu.
Já Maria Benedita de Souza quase nem consegui falar de tão emocionada. Apenas agradecia e agradecia, principalmente a assistente social “Dona Zélia”, responsável pela tenda no programa na região da Luz. “Que nunca na vida acabe esse projeto, que continue ajudando todo mundo”, disse ela, para logo sair do palco aos prantos, tapando o rosto com as duas mãos e ovacionada pelo público.
Fonte: Rede Brasil Atual