Doria e Covas: mais mortes no trânsito e 80% da verba de mobilidade em tapa-buraco

“Acelera São Paulo”. O lema de campanha do ex-prefeito da capital paulista e atual governador João Doria, e seu vice, sucessor e candidato à reeleição, Bruno Covas, ambos do PSDB, foi invertido quando o tema foram os investimentos em mobilidade urbana. O aumento da velocidade máxima nas Marginais Pinheiros e Tietê levou a mais mortes nas vias e redução na tendência de queda de óbitos no trânsito que vinha ocorrendo em toda a cidade. Além disso, o governo tucano praticamente não construiu corredores ou faixas exclusivas de ônibus, nem ciclovias e calçadas, manteve o transporte coletivo caro e cortou integrações do Bilhete Único.

A primeira medida de Doria e Covas em relação à mobilidade urbana foi o aumento da velocidade das Marginais Pinheiros e Tietê, feito em 25 de janeiro de 2017. Um ano depois, as mortes nas vias cresceram aproximadamente 31% na comparação com 2016, segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Em 2018, a situação piorou, com crescimento de 38,5% nas mortes, em relação a dois anos antes. No ano passado, houve uma pequena queda, mas ainda acima do registrado em 2016.


Mortes em acidentes de trânsito nas marginais Pinheiros e Tietê / Rede Brasil Atual

Além disso, com o fim do avanço das políticas de acalmamento de tráfego e redução de velocidade pelo governo Doria e Covas, a redução do número de mortes no trânsito na capital paulista ficou estagnada, após quatro anos de acentuada queda. Depois de cair de 1249 mortes, em 2014, para 992, em 2015, e 854, em 2016, os óbitos caíram para 797 em 2017. O que já demonstrava uma redução na velocidade de queda de mortes. Mas o “Acelera São Paulo” teve efeitos graves na segurança no trânsito e em 2018 o número de mortes voltou a subir, chegando a 849, interrompendo três anos consecutivos de redução. E no ano passado ficou em 791.

Essa estagnação nos dados gerais esconde uma situação mais grave dos efeitos da política de mobilidade de Doria e Covas. Enquanto as mortes de motoristas de automóvel continuaram caindo, as de ciclistas e pedestres voltaram a subir, após vários anos de queda. As mortes por atropelamento de pedestres tinham chegado a 331 em 2017, mas subiram e chegaram a 359 no ano passado. As mortes de ciclistas tinham caído para 30 em 2016, mas chegaram a 37 em 2017, tiveram nova queda, mas não voltaram ao patamar anterior.

Já os óbitos de motociclistas chegaram a 311, em 2017, cresceram novamente para 366, em 2018, depois caíram novamente em 2019. Em 2020, os dados indicam nova alta, com o registro de 208 mortes de motociclistas na cidade até 30 de setembro, número 2% maior que o registrado no mesmo período de 2019.

Para a diretora da ONG Cidadeapé e membro do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte (CMTT), Ana Carolina Nunes, os dados provam que o governo Doria e Covas acabou com os avanços em segurança no trânsito. “A gestão aumentou os limites de velocidade das marginais e teve um resultado desastroso. Aumentaram os casos de acidentes com mortos e feridos. Apesar de não ter ocorrido aumento de limite de velocidade em outras vias, também não teve mais redução. Um exemplo de como isso prejudica a mobilidade foi que a prefeitura instalou a ciclovia na Avenida Aricanduva, na zona leste, mas muita gente se sente insegura de utilizar, porque os limites de velocidade nessa via são muito altos”, afirmou.

O especialista em mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e também conselheiro do CMTT, Rafael Calabria, concorda e avalia que a gestão tucana teve um discurso totalmente contraditório. “O aumento da velocidade nas marginais foi feito sem nenhum estudo. Fizeram uma medida completamente contrária à segurança no trânsito, divulgando que estavam fazendo a Marginal Segura. A gestão também não fez as dez áreas calmas prometidas. Não executou nada que desse sequência às políticas de acalmamento de tráfego que vinham ocorrendo”, afirmou.


Acidentes de trânsito com morte em São Paulo por tipo de vítima / Rede Brasil Atual

Mobilidade para carros na gestão Covas

O governo Doria e Covas reservou um orçamento significativo para investimentos em mobilidade urbana: R$ 3,41 bilhões, para quatro anos. Mas problemas relativos à gestão, vistos em outras áreas, também estiveram presentes na mobilidade. Do total reservado, apenas R$ 1,39 bilhão foram realmente investidos. No entanto, o “Acelera São Paulo” valeu só para os carros. Do que foi aplicado, 79,1% foram investidos em tapa-buraco e recapeamento de ruas – R$ 1,04 bilhão. Os outros 20,9% foram divididos entre ciclovias, reformas de terminais de ônibus e calçadas.

Do total orçado para construção de ciclovias, o governo Doria e Covas só investiu 20,51%. Eram R$ 258,2 milhões, dos quais foram usados apenas 52,9 milhões. Esse valor foi aplicado quase todo em reformas, já que o governo prometeu construir 173 quilômetros de novas ciclovias, mas fez apenas 17 quilômetros. A gestão tucana não só construiu pouco, como ainda removeu alguns dos 416 quilômetros construídos na gestão de Fernando Haddad (PT), em regiões da zona sul, leste e central da cidade. No final do ano passado, Covas apresentou o Plano Cicloviário da Cidade de São Paulo, que recebeu muitas críticas de organizações de ciclistas.

Nas reformas em terminais de ônibus, que Doria queria entregar para a iniciativa privada, foram gastos somente R$ 145 milhões dos R$ 720 milhões reservados. E, a toque-de-caixa, o governo Covas vem tentando recuperar o atraso do Programa Emergencial de Calçadas (PEC), que ficou parado por três anos. Dos R$ 786 milhões orçados para essas ações, o governo tucano investiu apenas R$ 77,5 milhões (9,86%). Agora, promete realizar obras de recuperação de 1,5 milhão de metros quadrados de calçadas até o final do ano, ao custo de R$ 140 milhões. Mesmo assim, uma parte pequena do orçamento previsto.

“A gestão deixou para fazer tudo no final. Agora a gente está vendo a prefeitura correndo para tentar entregar as obras do Programa Emergencial de Calçadas (PEC) a tempo. Do que eles tinham previsto, a gente não sabe se eles estão conseguindo entregar tudo que pretendiam fazer. Mas a questão é que se passaram três anos com praticamente nenhuma obra de requalificação de calçadas por meio do PEC”, afirmou Ana Carolina.

A diretora da Cidadeapé lembrou que as ações visando a segurança do pedestre ficaram muito aquém do prometido. “A prefeitura fez algumas ações de mudança na geometria viária, que são os POS, que são Programas Operacionais de Segurança. Vão em algumas avenidas, fazem reprogramação semafórica para tempo de travessia, modificam algumas travessias. Mas foram muito poucos. Tanto que, pelo que relataram na Câmara Temática de Mobilidade a Pé, acho que se foram dez, em toda a gestão, foi muito. Faltou, nesta gestão, uma noção de urgência e de prioridade em relação à temática de mobilidade a pé”, criticou.

Zero corredores de ônibus

O governo Doria e Covas assumiu a prefeitura com a promessa de construir 72 quilômetros de corredores de ônibus. Quando Doria abandonou a prefeitura e Covas assumiu o Executivo, uma de suas primeiras ações foi reduzir a promessa para apenas 9 quilômetros. E nem esses devem ser concluídos até o final desse ano. “Foi um movimento consciente de não fazer corredor. Retirou a verba que estava reservada para isso, para fazer outras coisas. O corredor de ônibus da Avenida Líder, em Itaquera, já estava começado quando Doria e Covas assumiram, e nem esse eles conseguiram terminar”, disse Calabria.

O orçamento inicial para investimento em construção e reforma de corredores de ônibus era de $ 1,5 bilhão. Mas até setembro desse ano, foram gastos apenas R$ 245 milhões (16%). E quase tudo em reformas. Boa parte do valor previsto inicialmente foi remanejado para outras áreas, como a de recapeamento de vias e tapa-buraco. Nem mesmo faixas exclusivas de ônibus, mais rápidas e baratas de fazer, o governo tucano implementou na cidade.


Investimento em ações de mobilidade / Rede Brasil Atual

Licitação viciada

Após seis anos de discussões, a nova licitação do transporte coletivo por ônibus na cidade de São Paulo foi finalmente realizada em 2019. E o governo de Doria e Covas conseguiu não avançar em praticamente nada nos novos contratos. Com um edital que limitou a concorrência, venceram os mesmos empresários que já operavam o sistema e com as propostas mais caras. O custo total da nova contratação será R$ 71,1 bilhões, em 20 anos, ou cerca de R$ 3,5 bilhões por ano, valor semelhante ao atual.

A gestão Covas manteve os altos lucros dos empresários, estabelecendo uma Taxa Interna de Retorno (TIR), o lucro sobre os investimentos, em 9,85%, quando o Tribunal de Contas do Município (TCM) recomendou um máximo de 6,44%, em setembro do ano passado. O TCM estimou que os ganhos dos operadores podem chegar a R$ 3,84 bilhões a mais por conta dessa taxa. Auditoria da Ernst&Young, contratada pela gestão Haddad, em 2014, mostrava que a TIR máxima a ser aplicada à nova licitação deveria ser de 7,2% ao ano.

“A prefeitura trabalhou com muito pouca dedicação. Desde o começo da gestão, em 2017, tinha que mudar a lei de redução de poluentes, mas a prefeitura não encaminhou projeto para a Câmara, foi tudo tocado no Legislativo. A prefeitura não se posicionou, ficou só acompanhando. Apontamos que não teria competitividade, que não iria reduzir custos do sistema de ônibus. Em, 2019, quando foram abertos os envelopes, tudo se concretizou: só teve um candidato homologado por vaga, todos com propostas no teto, a mais cara possível, como a gente apontou que ia ocorrer”, disse Calabria.

Além disso, medidas que deviam ter começado a serem trabalhadas, estão paradas. Os novos contratos preveem extinções, alterações e criação de novas linhas de ônibus na cidade, cujo diálogo com a população devia ter sido iniciado em setembro desse ano. Uma análise feita pelo TCM em 12 linhas de ônibus nas quais estão previstas alterações revelou que cinco delas (975A-10, 917M-10, 118C-10, 478P-10 e 118C-10) teriam acréscimo da viagem de 44 mil quilômetros por mês e com adição de mais uma baldeação. Algumas substituições de linhas ou trechos de linhas tinham distâncias de até 500 metros entre elas. Situações que prejudicam a população.

Além disso, desde 2017, dezenas de linhas foram alteradas sem qualquer transparência. “Devia ter começado a dialogar sobre essas mudanças um ano depois da assinatura dos contratos, até agora nada foi feito. Em paralelo fez um monte de ‘cortezinho’, sem debate, sem estudo apresentado, com erros crassos, deixando ruas sem linha de ônibus. Não iniciou a discussão para fazer as mudanças, mas foram muitos cortes mal feitos”, criticou Calabria.

Outra ação que deve ser implementada para melhoria do transporte coletivo é o Centro de Controle Operacional (CCO). Quando o CCO estiver operante, a remuneração deixará de ser por passageiro transportado e passará a ser por um conjunto de fatores. Com isso, espera-se combater o descumprimento de partidas pelas empresas de ônibus, atualmente estimado em 10% do total. Mas, até agora, o governo municipal não realizou nenhuma ação para implementação do sistema.

“Pagando por passageiro, para o empresário, menos veículos e mais lotados, é melhor. Descumpre a partida, o veículo fica mais cheio, economiza e arrecada mais. A lotação e o atraso têm a ver com a forma de pagamento. O novo contrato mudou isso, só que só vai ser efetivado quando concluir o CCO”, explicou o conselheiro do CMTT.

Ataque ao Bilhete Único

Doria e Covas também promoveram o maior ataque da história ao Bilhete Único. Em 2017, disfarçaram o reajuste da tarifa aplicando um aumento de 35% no valor das integrações do sistema de ônibus com os trens e o Metrô. Também aumentaram o custo do Bilhete Único Mensal. Os tucanos ainda acabaram com a gratuidade para idosos de 60 a 65 anos. As mudanças prejudicaram 23 milhões de passageiros por mês.

Já em 2019, Covas reduziu as integrações do Bilhete Único Vale-Transporte (VT) de três para uma. Além disso, aumentou o valor da tarifa do VT de R$ 4,30 para R$ 4,57. Com a mudança, cerca de 1,2 milhão de usuários do VT foram prejudicados. Milhares de pessoas tiveram que fazer parte dos trajetos a pé ou utilizar linhas que faziam trajetos mais longos e demorados para não gastar mais. Em janeiro deste ano, a tarifa do VT foi novamente aumentada, para R$ 4,83, a tarifa simples, e R$ 8,80 a integrada com o Metrô e trens.

“Tivemos todo um pacote de problemas na bilhetagem desde o começo da gestão, no primeiro reajuste, que só aumentou o valor da integração. Uma medida totalmente prejudicial para quem mora mais longe. Depois, a mudança no VT prejudicou quem mora mais longe e faz mais integrações. Tivemos muitos relatos de pessoas tendo que fazer trechos caminhando, pegando linhas mais longas e demoradas. E uma dificuldade maior de acesso ao bilhete, tirando máquinas, tirando revenda do Metrô, cancelando bilhetes em massa, tudo justificado pelo combate à fraude”, concluiu Calabria.

Brasil de Fato

Posts recentes:

Arquivos

Pular para o conteúdo