Entre 2017 e 2020, durante a gestão dos tucanos João Doria e Bruno Covas na Prefeitura de São Paulo, a taxa de desemprego na capital paulista manteve-se sempre acima da média nacional. Em 2020, por exemplo, enquanto o desemprego no Brasil foi de 12,2%, em média, até o momento, em São Paulo alcançou 13,2%.
Nem sempre foi assim. De 2012, quando começou a série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a 2016, São Paulo se manteve abaixo da média nacional. A partir de 2017, no entanto, o movimento se inverteu, e o município passou a figurar acima das taxas brasileiras de desemprego (veja gráfico).
Índice de Desemprego na cidade de São Paulo e no Brasil, 2012-2020, segundo IBGE/ Arte/BdF
Mesmo quando o desemprego oscila para baixo, como ocorreu este ano, por conta do número de pessoas que desistiram de procurar emprego (o que leva a uma queda nos índices), as taxas em São Paulo se mantém superiores às da média nacional.
Segundo Jefferson Mariano, analista socioeconômico do IBGE e professor de Economia na Faculdade Cásper Líbero, a queda pela busca de emprego é um reflexo do medo da população de contrair a covid-19 e da quantidade expressiva de postos de trabalho fechados no período.
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De acordo com Clemente Ganz Lúcio, sociólogo, assessor do Fórum das Centrais Sindicais e ex-diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o impacto do desemprego no município paulista se deve, por um lado, a uma política nacional de geração de emprego em “falência”, e por outro, à ausência de respostas da prefeitura em articular a intermediação entre empregadores e desempregados.
Em relação ao primeiro aspecto, Lúcio aponta para a Reforma Trabalhista, e a subsequente terceirização do trabalho, aprovada ainda na presidência de Michel Temer, em 2017. O resultado foi a flexibilização da proteção ao trabalho e o favorecimento às empresas, com consequências adversas para a classe trabalhadora, como a demissão sem a intermediação sindical.
Não é à toa que a escalada do desemprego se torna mais expressiva a partir de 2017, só arrefecendo em 2020, ainda assim por conta do número de pessoas que desistiram de buscar emprego. Nesse sentido, Lúcio defende que a saída escolhida para a crise econômica teve “graves consequências no mundo do trabalho, especialmente o desemprego crescente e a geração de ocupação informal”.
Mas porque São Paulo mantém taxas superiores à da média do Brasil desde 2017?
(a prefeitura) teria de criar respostas, articulação com o setor empresarial, buscar coisas que não estão postas na prateleira
O sociólogo explica que o desemprego afetou significativamente o setor de serviços, não apenas em São Paulo mas no Brasil como um todo. No município, porém, este setor tem um peso grande na oferta de trabalho. “Logo, a taxa de desemprego tende a crescer, porque tem um forte impacto no conjunto de emprego da economia de São Paulo.”
Em 2018, por exemplo, o setor de serviços empregou 25,9% da população ocupada. Apesar de expressivo, porém, o percentual é um dos mais baixos da série histórica do Observatório do Trabalho de São Paulo.
O que cabe à Prefeitura de São Paulo?
Associado a este cenário, Lúcio afirma que as prefeituras, no geral, têm pouca capacidade de realizar modificações sem o apoio do governo federal, que, como visto, foi no caminho contrário: o de aprofundar a informalidade. Ainda assim, “a prefeitura provavelmente não tem ou não criou capacidade para buscar uma resposta que enfrente o problema. Teria de criar respostas, fazer intermediação, buscar alternativas, articulação com o setor empresarial, buscar coisas que não estão postas na prateleira”, afirma Lúcio.
“O protagonismo político da cidade São Paulo em colocar o problema e buscar uma solução estrutural que não se faz presente”, analisa.
Não há uma estrutura capaz de fazer a intermediação entre aqueles que precisam de emprego e aqueles que estão ofertando postos de trabalho
Segundo o sociólogo, cabe às prefeituras ações como formação profissional, intermediação entre mão de obra e empregador, garantia de microcrédito para o pequeno e médio negócio, vale transporte gratuito para desempregados e investimento em serviços urbanos para a geração de empregos.
São “políticas que muitas vezes têm dimensão assistencial, mas importantes para manter a pessoa ocupada, trabalhando com renda, fazendo algum serviço para a comunidade. São coisas pequenas que as prefeituras podem fazer e que têm um relativo impacto (nas taxas de desemprego e na geração de renda)”, pontua Lúcio.
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“É claro, no entanto, que há carências e no caso de São Paulo essa carência se faz presente na intermediação de mão de obra. Ou seja, não há uma estrutura capaz de fazer uma ponte entre aqueles que precisam de emprego e aqueles que estão ofertando postos de trabalho”, afirma o assessor do Dieese.
Um exemplo de boa intermediação que Prefeitura de São Paulo pode fazer foi a fila do mutirão do emprego, em março de 2019, promovido pela União Geral dos Trabalhadores (UGT), em São Paulo, no Vale do Anhangabaú, onde foram oferecidas seis mil vagas por 28 empresas, de diferentes setores, com salário médio de R$ 1,5 mil com carteira assinada.
Na época, o presidente da UGT, Ricardo Patah, afirmou que a Reforma Trabalhista “não gerou nada de emprego, gerou vaga na informalidade”. Em relação a 2018, quando a UGT realizou dois mutirões, a fila aumentou 185%. “Nas vezes anteriores, tinha fila de seis, sete mil pessoas. Hoje tem 20 mil. Está demonstrada a cara do desemprego, da desmotivação da população brasileira”, afirmou Patah naquele momento.
Lúcio reitera que o mutirão foi uma iniciativa do próprio movimento sindical: “A última que eu lembro desse porte foi feita na gestão do (Fernando) Haddad (PT), quando eles tinham esse tipo de atividade. Depois foi feita ao longo dos anos sempre com protagonismo do Sindicato dos Comerciários, que muitas vezes contou com o apoio da prefeitura e do governo do estado, mas sempre uma iniciativa do sindicato”. Nesse sentido, Lúcio afirma que a Prefeitura, por si só, não foi “criativa o suficiente” para dar conta do recado.
São Paulo de diversos municípios
Além do aumento consecutivo das taxas anuais de desemprego em 2017 e 2018, um outro elemento desse quadro é a oferta desigual de emprego, segundo o Mapa da Desigualdade 2019 e 2020, respectivamente, da Rede Nossa São Paulo. Em 2017, enquanto a taxa de oferta de emprego formal, por dez mil habitantes da população em idade ativa (PIA), era de 59,24 na Barra Funda, no centro expandido, em Cidade Tiradentes, na zona leste, era de 0,24.
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No ano seguinte, a maior diferença se deu entre o distrito da Sé, no centro do município, e Iguatemi, na zona leste. O primeiro com uma taxa de oferta de emprego formal de 113,8 por dez mil habitantes da PIA; enquanto que o segundo, 0,39 na mesma relação.
A remuneração média mensal do emprego também é discrepante entre os distritos. Em 2018, um trabalhador formal ganhava R$ 6.884,36, no Itaim Bibi, região nobre de São Paulo, na zona sul. No mesmo período, um trabalhador formal do bairro Arthur Alvim, na zona leste, ganhava R$ 2.016,55.
O mesmo ocorre em relação à renda média mensal: enquanto Alto de Pinheiros, na zona oeste, também região nobre, tinha uma média de R$ 9.591,93, em Lajeado, na zona leste, a média, em 2018, era de R$ 2.628,63. Procurada pelo Brasil de Fato, a Prefeitura de São Paulo não respondeu até a publicação desta reportagem.
Edição: Rogério Jordão
Por: Brasil de Fato